
DE CARA NO CHÃO
Dizem que todos os viventes humanos têm uma quantia de karmas a cumprir. Como a minha já passou do limite há muito tempo, estou transferindo o que ainda falta para a fila de “pecados a pagar” das próximas sete reencarnações. De todas as trapalhadas ocorridas na primeira vez que acampei, esta foi a mais estranha. Não um “estranho constrangedor”, nem um “estranho esquisito”, mas um “estranho bizarro”.
Abre-se um parêntese para um pequeno comentário: Quando criança, ouvi uma piada sobre a “ironia das publicações em jornais e revistas, em que ilustres cidadãos aparecem estampados em momentos de glória, poses, caras, bocas e sorrisos”. Porque pouco tempo depois, sem utilidade informativa, esse material muitas vezes acaba sendo utilizado para outras finalidades, como forro de gaiola e cobrir corpos dos atropelados nas estradas. Bem, na verdade, a utilidade do jornal da piada era na roça... Atrás da moita do caipira... “Papel ingênico? Nóis num carece, não! Bom memo é limpá cás cara dos dotô, deputado e madame importante uai!”. Mesmo com todo o respeito da parte do Jeca Tatu com diarréia, a ironia é monstruosa e a situação, surreal. Talvez por isso nunca me esqueci dessa piada. Fecha-se o parêntese.
Enquanto me recuperava do êxtase do vinho em caneca de plástico da noite anterior, observando casais de namorados fazendo poses de ladinho nos coqueiros para fotos, vejo dois anjinhos saltitantes e barulhentos correndo em minha direção. Ofegantes, falando a mesma coisa ao mesmo tempo em que tentavam respirar: “Tiiiiiaaaa! Seu jornal está no banheiro dos homens”. Como??? Com o susto, sentindo meus miolos derretidos e quase escorrendo pelo nariz, percebo que não é uma brincadeira e que a coisa vai piorar. Como reza a maldição de Murphy, eu estava certa! Ao entrar no banheiro masculino, acompanhada das sobrinhas e uma torcida maior que a do Corinthians, a situação piorou! E muito! Olho para o chão imundo e molhado do banheiro masculino e vejo nada menos que a página da minha coluna no jornal que forrava aquele chão fedorento com minha cara estampada! Meu rosto inocente e indefeso parecia se perguntar quando foi que colou chiclete na cruz. Como isso pôde acontecer? Estávamos bem longe de Sertãozinho... Alguém, por favor, acorde-me desse pesadelo!!! Nesse momento, lembrei que em situações assim, quando a mente empaca, após um grande susto, é preciso fazer uma piada para quebrar o gelo. Eu, mulher moderna, inteligente e bem resolvida, sairia desta saia justa com elegância.
Todos me olhavam seriamente, esperando uma reação, mas eu só me lembrava dos espíritos do mal que paralisam o intelecto e a memória de suas vítimas. Meu auto controle estava quase no limite! Meu desespero de um lado, minha memória do outro! Minha cara no chão molhado me olhava cobrando uma atitude digna de meu cérebro surtado. Será que minha foto na parede de uma borracharia seria menos estranha? E isso é coisa pra se lembrar numa hora dessas? Preciso trocar meu chá por alguma coisa mais forte. Mas, eu, como uma lady que sou, joguei os cabelos pro lado, abaixei, peguei minha cara no chão e saí como se nada tivesse acontecido.
Dizem que “quem tem seus quinze minutos de fama, tem também seus quinze minutos de lama”.