
As vezes acho que sou uma espécie de sábia mística, que passa por provações kármicas. Devo ter sido muito irresponsável na outra vida. Só isso explica aquele estranho acordar, com vontade de fazer limpeza no quartinho da bagunça. Fora latas vazias ou com tintas velhas, sacos de sapatos á serem doados, tapetes esquecidos, cavaletes de pintura e pinceis empoeirados... Agora ficou limpo, mas esse armário caindo aos pedaços? Simples desmontar com pé de cabra e jogar em uma caçamba juntos com todas as tralhas inúteis que foram guardadas para que, talvez um dia pudessem ser úteis. Mas, quem é que tem pé de cabra em uma casa normal – tá minha casa não é normal, mas também não tem pé de cabra – Um espeto enferrujado falhou no trabalho de desmontar o armário caindo aos pedaços, o normal também. O jeito foi usar a lógica, pegar uma chave de fenda e desemparafusa-lo. Claro que esse método é um pouco demorado, além dos parafusos tortos, meus óculos embaçam debaixo de armário velho, caindo aos pedaços, mas como não desisto nunca e deus não se vingou, jogando um raio na minha cabeça, (por causa daquelas palavras sublimes que sussurramos, quando batemos o cotovelo na quina), o benedeto armário velho, caindo aos pedaços, foi parar na caçamba. Sabe que o ambiente ficou melhor? E tinha aquela prateleira de aço, pintada de “branco ferrugem” que poderia desabar a qualquer momento, então depois que tirei as duas caixas de cerveja, todo o arsenal de guerra contra os passarinhos, incluindo alpiste envenenado, ração para pássaros com pó de veneno de rato; repelente viscoso para pardais e morcegos, não, aqui não tem morcegos, só pardais; uma caixa de naftalina que são usadas na guerra através do estilingue, diga-se de passagem, estou cada vez melhor nesta arma. Enfim, prateleira também pra caçamba. Agora só faltava as prateleiras altas, com as caixas de isopor, milhões de varas de pescar com suas caixas e acessórios com nomes esquisitos.
Sabe que as paredes pintadas de branco limpo, ficariam ótimas com as prateleiras novas? Pra isso eu só precisaria tirar as medidas ligar pra a marceneiro preparar as tábuas, já que eu tinha a lixa e a tinta. A tentativa de ligar para o homem das tábuas foi um fracasso, eu não entendia o que ele dizia e ele me entendia menos ainda. Não tive outra escolha, esquece o marceneiro e vá buscar aquelas que já vem pronta, “bricolagem, faça você mesma”, não há como errar. –Agora, nem pensar dona!Sinto muito, estamos atrasados, mas amanhã esta será a primeira entrega, pode crer! Eu, Hem! Acreditar em prazos de vendedor, nunca! Sou esperta moço, vou procurar outro lugar que entregue mais rápido. Claro que quando se é esperta, não se esquece que se é esperta e por isso não acredita que a promessa será cumprida só porque a outra loja jura que é mais confiável. Depois disso é melhor levar o conceito faça você mesmo um pouco mais a sério e ir com “seu carro”, buscar as tábuas da perdição, e não estressar só porque ficaram um pouco maiores do que as medidas e se faz necessário colocá-las, todas, de novo, no “seu carro” e levar para o marceneiro, que você desdenhou no dia anterior, fazer o favor de cortar as tábuas da maldição, que no caminho de volta, na curva da esquina, caem que quina no cotovelo! Ok. Agora sim, as tábuas nos seus justos lugares, depois de quase três dias, e alguns hematomas, só faltava o resto. Colocar as tralhas de volta. Nada é capaz de tirar uma mulher determinada a organização do sério! Depois de tudo terminado, cada coisa no seu devido lugar, tudo ficou exatamente como estava antes! A vida não é justa!